Imunizante poderá ser opção brasileira de reforço no combate ao coronavírus. Licença para ensaio clínico já foi pedida à Anvisa
Uma corrida contra o tempo para garantir o futuro do Brasil no combate à COVID-19. Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) devem começar até dezembro as primeiras aplicações da candidata a vacina SpiNTec em seres humanos, nos chamados testes clínicos (fases 1 e 2). A estimativa foi informada ao Estado de Minas pelo professor Unaí Tupinambás, que participa dos estudos conduzidos pelo CTVacinas, o centro de desenvolvimento de imunizantes da UFMG. É justamente nessa etapa do cronograma que devem ser investidos R$ 50 milhões em repasses do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), anunciados no domingo pelo ministro Marcos Pontes.
Esse será o segundo grande recurso recebido pela UFMG para desenvolvimento da SpiNTec. Apesar de ter um orçamento muito menor que o do governo federal, a Prefeitura de BH repassou R$ 30 milhões à universidade para investimentos nos testes pré-clínicos em maio – além de ter doado um terreno para instalação de um centro de pesquisas de vacinas na Região Noroeste da capital. A partir desses recursos, os cientistas conduziram os estudos em camundongos, hamsters e primatas. Diante da alta taxa de sucesso, encaminharam um relatório à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na sexta-feira para pedir autorização para execução das fases 1 e 2.
Na prática, a primeira fase tem o objetivo de demonstrar a segurança do imunizante. Para isso, a UFMG vai reunir 40 voluntários. Já na segunda etapa, na qual cerca de 300 voluntários serão convocados, o intuito é estabelecer se a fórmula provoca ou não uma resposta imune ao novo coronavírus no corpo humano. Nos dois passos, os participantes serão pessoas vacinadas com as duas doses da CoronaVac (Instituto Butantan/Sinovac Biotech). Portanto, a meta é fazer a SpiNTec se tornar uma dose de reforço, uma terceira aplicação.
Antes da disponibilização do produto à população, ainda há uma terceira fase, a última antes do registro sanitário. O objetivo é demonstrar a eficácia da vacina em milhares de pessoas, geralmente de diferentes perfis do público-alvo, para monitorar possíveis reações adversas.
Os custos das vacinas para os cofres públicos ainda são incertos. O secretário de Pesquisa e Formação Científica do ministério, Marcelo Morales, disse no domingo que, por enquanto, o valor ainda não está definido, mas “certamente estará dentro dos custos que as outras vacinas estão sendo compradas”.
Produção
Caso os estudos clínicos avancem as três fases e a vacina receba o aval sanitário da Anvisa, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) entra na conversa. O objetivo é produzir as doses da SpiNTec nas dependências da Funed, no Bairro Gameleira, Região Oeste de Belo Horizonte.
Em julho, o governo de Minas anunciou investimento de R$ 28 milhões na unidade 5 da instituição. A partir desse aporte haverá transição tecnológica para apoio à produção de lotes-piloto de vacinas, entre elas a da UFMG contra a COVID-19. O recurso veio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
“Esses investimentos são importantes para que possamos efetivar parcerias entre instituições competentes como a Funed e a UFMG, desenvolvendo assim, em solo mineiro, tanto a pesquisa básica quanto seus desdobramentos. Com esse recurso, vamos preencher lacunas que hoje atrasam o desenvolvimento de iniciativas”, afirmou o presidente da Funed, Dario Ramalho, à época.
Metodologia
De acordo com o professor Flávio da Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que participa diretamente das pesquisas, o trabalho no CTVacinas começou em março do ano passado com cinco possibilidades diferentes. “A gente sabia que a pesquisa vacinal tem uma taxa de sucesso muito baixa. Então, nossa estratégia foi de fazer um número grande de vacinas para que ao final de um processo longo, árduo, de estudo e de análise a gente tivesse (a oportunidade) de conduzir ao menos uma delas até o início de testes em seres humanos", diz.
Também participante da pesquisa, a professora Santuza Teixeira, integrante do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, explica como aconteceu o desenvolvimento da SpiNTec, por meio de uma estratégia denominada “segunda geração por proteína recombinante”. “O que a gente faz, na verdade, é identificar dentro do genoma do novo coronavírus quais seriam as sequências que têm a informação para produzir essas proteínas, que vão ser de fato os agentes vacinais”, diz.
Mas o processo não para por aí, como explica a especialista. “Essas sequências, então, são reproduzidas em bactérias, que passam a produzir uma única proteína fusionada (com vários 'pedaços' de proteínas diferentes do Sars-Cov-2). A partir dela, a gente faz a formulação vacinal, ou seja, contém o antígeno vacinal", explica.
Portanto, para avançar até as fases 1 e 2, a UFMG precisou demonstrar que o ingrediente farmacêutico ativo da SpiNTec, a matéria-prima da vacina, funcionou bem em animais. Além de Flavio da Fonseca e Santuza Teixeira, os pesquisadores Ana Paula Fernandes e Ricardo Gazzinelli participam dos estudos, assim como estudantes de graduação e pós-graduação da Federal.
Segundo os procedimentos da Anvisa, a análise iniciada agora considerará a proposta do estudo, o número de participantes e os dados de segurança obtidos até o momento nos estudos pré-clínicos, aqueles com animais. Antes da formalização do pedido da UFMG, a Anvisa já havia realizado reuniões prévias para orientações e esclarecimentos aos desenvolvedores da vacina.
A última reunião aconteceu em 14 de junho, quando a agência discutiu com os pesquisadores sobre o andamento dos testes e os aspectos regulatórios a serem observados para a submissão do pedido de anuência da pesquisa clínica.
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