“Com o nível de desemprego em que o Brasil se encontra, muita gente perdeu o plano de saúde. Pontualmente, houve momentos em que precisamos transferir pacientes para CTIs (Centros de Terapia Intensiva) de outras instituições. Recebemos apoio de diversos órgãos para nos modernizar e realizar os atendimentos, mas sabemos que existe um subfinanciamento da saúde, historicamente”, analisa Miguel Farage, diretor do filantrópico São Lucas, em Belo Horizonte.
De fato, a enorme maioria dos pacientes com desdobramentos graves da Covid foi notificada em unidades públicas ou filantrópicas (79%). Dentre os que morreram, apenas 15% haviam dado entrada em instituições privadas, conforme o levantamento realizado por O TEMPO.
O sucateamento se arrasta por anos e resulta, por exemplo, em demora na troca ou conserto de equipamentos, segundo Neuza Freitas, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores do setor (Sind-Saúde/MG). “Diversos municípios não têm suporte hospitalar e direcionam os pacientes para uma única unidade pública. O serviço é oferecido até mesmo na base do improviso, para não causar desassistência”, relata.
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Covid-19 mata um a cada três pacientes internados na rede pública
O Hospital Evangélico de Carangola, na Zona da Mata, é um exemplo. Unidade de referência para os casos de Covid-19 na região, ele cobre uma população de aproximadamente 200 mil pessoas, incluindo pacientes que vivem a mais de 300 km de distância ou, em menor proporção, em cidades do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.
“Se eu disponibilizo duas vagas pelo sistema SUS Fácil, aparecem de dez a 15 pedidos imediatos de pacientes que estão aguardando em outros hospitais, a maioria com comorbidades”, detalha Helerson Lima, administrador da unidade.
Estando no que é considerado por especialistas como a “segunda onda”, a oferta de mão de obra também volta a preocupar. Até novembro, o vírus já havia vitimado 692 profissionais da saúde e contaminado outros 14 mil, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES).
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), por exemplo, informa ter afastado todos os servidores maiores de 60 anos, lactantes, gestantes ou com diabetes, além de outros 272 trabalhadores com restrições especiais para atuar no controle da pandemia.
De um lado, "gambiarras"; do outro, agilidade e conforto
A aposentada Conceição Oliveira, 94, foi internada no CTI de um hospital público em Belo Horizonte, mas não resistiu e morreu três dias depois. A neta dela, que trabalha na instituição, relata limitações para o socorro aos casos graves no local.
“Na admissão do paciente, temos dificuldade em montar um leito completo sem ter que fazer gambiarras. O monitor cardíaco, por exemplo, tem vários cabos para diferentes funções, e às vezes não temos um monitor completo, por falta de cabo ou outra coisa, e aí temos que tirar daqui e dali. Não temos leitos 100% corretos e montados. Está tudo no limite”, detalha a técnica de enfermagem Iara Neves, 37.
Há alguns meses, Iara precisou de um laudo psiquiátrico para se afastar do trabalho, devido à escalada de estresse. Ela afirma que sequer teve condições psicológicas de acompanhar de perto o tratamento da avó durante o período de cuidados intensivos.
Internada em uma instituição privada, a aposentada Elisa Maria, 83, também morreu por complicações da Covid-19. O marido dela, por sua vez, conseguiu se recuperar após a contaminação. A professora Maria Teresa da Costa, 44, filha do casal, conta que o pai precisou cumprir quarentena domiciliar e foi amparado por cuidadores particulares.
“Minha mãe tinha uma rede de profissionais dentro do hospital onde foi internada. A hematologista dela, o reumatologista e outros médicos. Meu pai tem uma alimentação balanceada, acompanhado por nutricionista e endocrinologista. São coisas que ajudam bastante. O SUS é bom, mas não consegue abranger tudo”, pondera.
Já a professora Débora Teixeira, 50, foi internada em um hospital privado, enquanto o pai dela recebeu tratamento na rede pública. “Acompanhei o meu pai na UPA, e o problema foi o tempo até ele ser internado em um hospital. No particular, demorei uma hora. A comodidade foi muito maior, fiquei em um quarto sozinha, com banheiro e televisão”, lembra, destacando a diferença no tratamento.
Governo destaca ampliação na oferta de leitos
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde destacou que ações de prevenção e mobilização foram iniciadas antes mesmo do primeiro caso de Covid-19 confirmado em Minas Gerais no dia 8 de março. Entre elas estão a criação do Centro de Operações de Emergência em Saúde (Coes) e o programa Minas Consciente.
Segundo a pasta, a oferta de leitos foi ampliada em 90% nas UTIs (de 2.072 para 3.957) e 80% nas enfermarias (de 11.625 para 20.987). Esses números incluem equipamentos privados contratados via convênio.
“Todas as macrorregiões tiveram incremento. A Norte, por exemplo, dobrou sua capacidade assistencial, passando de 121 leitos para os atuais 253. A macrorregião Leste do Sul tinha um déficit de 43 leitos de UTI e, a partir da estratégia do governo, chegou aos 122”, ressalta a secretaria.
Ainda de acordo com a SES, já foram repassados aos municípios, hospitais e unidades de saúde R$ 2,1 bilhões em recursos estaduais, “com o objetivo de potencializar a prestação de serviços”.