O Dia do Trabalhador, neste contexto de pandemia da COVID-19, evidencia ainda mais as muitas feridas do mundo do trabalho. As alarmantes estatísticas dos sem-trabalho sinalizam rostos sofridos e desesperançados. A chaga do mundo do trabalho torna-se ainda mais grave quando alguns se enriquecem inescrupulosamente enquanto muitos convivem com a fome. Um cenário que se perpetua por modelos perversos de exercício da política, pela indiferença social, por uma cultura segregacionista e excludente de uma sociedade adoecida. Adoecimento que ameaça até aqueles que ilusoriamente buscam amparo nas próprias rendas e lucros. É, pois, urgente uma nova lógica na política e na economia, para que seja evitada a derrocada da humanidade.
A civilização contemporânea padece com a falta de compaixão. Uma carência que prejudica a inteligência humana, ofuscando a sua luminosidade. É preciso agir para que essa inteligência não descarrilhe ainda mais na direção de negacionismos e da falta de sentido humanístico. A sociedade reúne condições e meios para ser justa e solidária, pautada pela lógica da amizade social, ao sabor do Evangelho de Jesus Cristo. Não pode submeter-se às lideranças vazias de governos que não se pautam pelas lógicas das construções pluralistas – distantes do cristianismo autêntico que pode salvar e fecundar culturas, conferir à humanidade valores e princípios com força de transformação. Valores e princípios que permitam reconhecer a vida como dom.
Na perspectiva do autêntico cristianismo, o Dia do Trabalho é um grito de trabalhadores e trabalhadoras sem rumo, sem trabalho, desamparados. Um clamor que precisa incomodar os insensíveis, inspirar os que têm maior responsabilidade na condução da sociedade e fecundar intuições para que sejam arquitetados novos cenários no mundo do trabalho. O gesto prioritário é a solidariedade, exercida em rede. Um indispensável remédio que funciona como nova luz para a inteligência e sabedoria no exercício de poderes. Os cristãos, em diálogo aberto e cooperativo com a sociedade pluralista, são convocados a ajudar para que a solidariedade se torne um princípio da vida social. Essa responsabilidade está enraizada nas muitas lições do Mestre e Senhor, que diz: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” e “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Assim, a Doutrina Social da Igreja Católica reúne elementos merecedores de redobrada atenção e comprometimentos urgentes. Urge-se investir na solidariedade como princípio social e virtude moral.
As relações entre pessoas e povos, marcadas pela interdependência, precisam ser pautadas por autêntica solidariedade ético-social, para que seja recuperada a sociabilidade intrínseca à pessoa humana. Sob os parâmetros da solidariedade ético-social, prevaleça também o respeito à igualdade de todos em dignidade e direitos. Trilhando nesse sentido, a civilização contemporânea pode tratar adequadamente as feridas que ameaçam o mundo do trabalho. Deve-se reconhecer que trabalhar é um direito e um bem fundamental para cada pessoa. O trabalho é útil e necessário para formar e manter uma família, para efetivar o direito à propriedade e oferecer contribuição na promoção do bem comum. O desemprego é problema que desafia principalmente o Estado a promover adequadas políticas capazes de gerar trabalho.
A Doutrina Social da Igreja Católica mostra a necessidade de se reconhecer que o trabalho humano é condição indispensável para a promoção da justiça social e da paz civil. A comunidade politica está desafiada a assumir, com qualidade e protagonismo, o seu papel e, alicerçada em autoridade ilibada, promover o bem comum. Isso exige reconhecer e considerar as prioridades dos pobres, dos vulneráveis, dos sem-trabalho. Trata-se de um caminho para a preservação e fortalecimento da democracia. Sem medos, livres das indiferenças alimentadas por mesquinhez, a hora exige a coragem de se dedicar aos pobres, aos sem-trabalho. Um exercício essencial para construir uma economia que promova e preserve a vida, estimulando novos hábitos e a cura das feridas do mundo do trabalho.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Dom Walmor sempre sábio em suas palavras. Precisamos estar atentos aos apelos dos trabalhadores.